terça-feira, 18 de abril de 2017

Crítica - Ms. Marvel: Apaixonada


O encadernado de capa dura Ms. Marvel: Apaixonada, escrito por G. Willow Wilson e com ilustrações de Elmo Bondoc e Takeshi Miyazawa, chega ao Brasil com as edições de Ms. Marvel 12 a 15 e S.H.I.E.L.D. 2. No livro, temos mais um arco de histórias de Kamala Khan, que é certamente uma das principais personagens a surgirem nos últimos tempos no Universo Marvel. A proposta de uma adolescente não-caucasiana ter uma série solo, com equipe criativa forte, é de mostrar ao mundo que não são apenas os heróis homens, brancos que tem vez. Agora, as minorias têm voz e espaço.

Na Marvel, especialmente, sempre houve lugar para os oprimidos. O nerd da escola que apanha, o garoto cego, o franzino que não tinha condições físicas de defender o próprio país, o mutante, que sofre preconceito. Enfim, uma gama de personagens que sofre nas mãos da sociedade comum, racista.

Com o passar dos anos, porém, ficou muito claro que os heróis eram quase todos brancos, e homens. Os quadrinhos retratavam uma realidade que, décadas atrás, era outra. É possível que o excluído, ao menos nos EUA, fosse o garoto raquítico. Mas a sociedade mudou, e hoje os preconceitos são outros. A xenofobia, homofobia, machismo estão muito evidentes. É como se os preconceitos estejam enraizados no ser humano. Mesmo nos leitores de HQ, que leem muitas histórias que falam justamente sobre a aceitação ao próximo.


Mas mesmo com a mudança da sociedade, muitas coisas ficam inertes, sem evolução ou novos olhares. Por exemplo, o Peter Parker sempre tem sua origem como Homem-Aranha contada como um garoto branco que apanhava na escola. É uma referência a todos os adolescentes que sofrem nas mãos de valentões. O leitor se vê na história e torce pelo garoto, para que ele supere esses problemas. Porém, só pelo fato de Peter não ser negro, ou gay, ou estrangeiro, ele não é a pessoa que mais sofre nas mãos de opressores. Ele não passa pelos mesmos constrangimentos que uma mulher, por exemplo. Ou alguém de uma cultura diferente.

Já no caso da jovem Kamala Khan, não se pode dizer o mesmo. Na terceira aventura da garota, além de vermos os problemas que ela sofre por ser de uma família paquistanesa conservadora, em um país com uma cultura completamente diferente, novos desafios são apresentados. Nas histórias anteriores, vemos a adolescente com sérios problemas de adaptação na sociedade em que está inserida. Ela não é completamente aceita pelos jovens americanos comuns, justamente por ser de uma cultura que teme o estrangeiro, principalmente o muçulmano (ainda mais pós 11 de setembro). Mas também sofre muita repressão da família, que tem uma cultura machista, que tenta forçar a jovem a viver de acordo com costumes pelos quais ela não é 100% a favor.

Por um lado, ela tem pais que tentam proibi-la de se envolver com a sociedade. Pelo outro, ela tem uma sociedade que por puro preconceito não quer aceita-la. E ela não exige muito. Só quer ser uma garota com os mesmos direitos de qualquer um. E por ser completamente excluída, ela se apega ao mundo virtual para compensar. Ela gosta de jogos online e é fã de super-heróis. A metáfora perfeita a muitos leitores de quadrinhos, que buscam nos heróis da ficção uma fuga da própria realidade.

Como se não bastasse ter todos esses problemas na cabeça, a garota ainda se vê cheia de super poderes e os desafios pulam na sua frente sem dar trégua. Antes do arco Apaixonada, dividido em três capítulos, o encadernado traz uma história em que Kamala conhece Loki. O ex-vilão nórdico vai até a escola da heroína para tentar fazer dela e o melhor amigo dela, Bruno, um casal. Ele vai com boas intenções, mas acaba arruinando tudo, em uma história leve e divertida, mas que serve de introdução à trama principal. Que foi publicada originalmente nos EUA em Ms. Marvel dos números 13 ao 15.


Logo no início, Kamala começa a treinar com os Inumanos para tornar-se uma heroína mais qualificada. As primeiras dificuldades da garota passam a ser conciliar estudo com a vida deMs. Marvel. Nesse meio tempo, ela revê um jovem filho dos melhores amigos paquistaneses de seus pais, que volta a morar na mesma cidade que ela, Jersey City. O garoto logo a conquista, por ser bonito, carismático e fanático por jogos online.

Dessa vez, a heroína adolescente tem que enfrentar vilões, esconder sua identidade dos pais, tirar notas boas na escola e lutar contra o sentimento tão comum a qualquer garota da idade, que é a paixão. E em outra excelente metáfora, ela enfrenta também um machismo muito forte e desconfiança em si mesma, quando cai em uma armadilha e o vilão disse que ela foi ao lugar por vontade própria. Com essas palavras, ela passa a duvidar de si mesma, pensando que de fato a errada é ela, em uma clara referência ao estupro, quando garotos escapam dos problemas ao dizer que a garota abusada aceitou sair com ele, então foi consentido.


Por levar temas fortes, mas de forma leve e com uma capa super-heroica, Wilson transforma Kamala em uma das melhores personagens do universo Marvel. Ela é simpática e muito inocente. Mas é forte, não apenas fisicamente, como qualquer mulher pode ser. Ela enfrenta o machismo enraizado na sociedade com coragem e confiança. Ela é a porta-bandeiras de uma geração de garotas que precisa ganhar o mundo, que vai bater em muros de preconceito, mas que unidas são mais fortes do que imaginam.

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