O encadernado de capa dura Ms. Marvel: Apaixonada, escrito
por G. Willow Wilson e com ilustrações de Elmo Bondoc e Takeshi Miyazawa, chega
ao Brasil com as edições de Ms. Marvel 12 a 15 e S.H.I.E.L.D. 2. No livro, temos
mais um arco de histórias de Kamala Khan, que é certamente uma das principais
personagens a surgirem nos últimos tempos no Universo Marvel. A proposta de uma
adolescente não-caucasiana ter uma série solo, com equipe criativa forte, é de
mostrar ao mundo que não são apenas os heróis homens, brancos que tem vez.
Agora, as minorias têm voz e espaço.
Na Marvel, especialmente, sempre houve lugar para os
oprimidos. O nerd da escola que apanha, o garoto cego, o franzino que não tinha
condições físicas de defender o próprio país, o mutante, que sofre preconceito.
Enfim, uma gama de personagens que sofre nas mãos da sociedade comum, racista.
Com o passar dos anos, porém, ficou muito claro que os
heróis eram quase todos brancos, e homens. Os quadrinhos retratavam uma realidade
que, décadas atrás, era outra. É possível que o excluído, ao menos nos EUA,
fosse o garoto raquítico. Mas a sociedade mudou, e hoje os preconceitos são
outros. A xenofobia, homofobia, machismo estão muito evidentes. É como se os
preconceitos estejam enraizados no ser humano. Mesmo nos leitores de HQ, que
leem muitas histórias que falam justamente sobre a aceitação ao próximo.
Mas mesmo com a mudança da sociedade, muitas coisas ficam
inertes, sem evolução ou novos olhares. Por exemplo, o Peter Parker sempre tem
sua origem como Homem-Aranha contada como um garoto branco que apanhava na
escola. É uma referência a todos os adolescentes que sofrem nas mãos de
valentões. O leitor se vê na história e torce pelo garoto, para que ele supere
esses problemas. Porém, só pelo fato de Peter não ser negro, ou gay, ou
estrangeiro, ele não é a pessoa que mais sofre nas mãos de opressores. Ele não
passa pelos mesmos constrangimentos que uma mulher, por exemplo. Ou alguém de
uma cultura diferente.
Já no caso da jovem Kamala Khan, não se pode dizer o mesmo.
Na terceira aventura da garota, além de vermos os problemas que ela sofre por
ser de uma família paquistanesa conservadora, em um país com uma cultura
completamente diferente, novos desafios são apresentados. Nas histórias
anteriores, vemos a adolescente com sérios problemas de adaptação na sociedade
em que está inserida. Ela não é completamente aceita pelos jovens americanos
comuns, justamente por ser de uma cultura que teme o estrangeiro,
principalmente o muçulmano (ainda mais pós 11 de setembro). Mas também sofre
muita repressão da família, que tem uma cultura machista, que tenta forçar a
jovem a viver de acordo com costumes pelos quais ela não é 100% a favor.
Por um lado, ela tem pais que tentam proibi-la de se
envolver com a sociedade. Pelo outro, ela tem uma sociedade que por puro
preconceito não quer aceita-la. E ela não exige muito. Só quer ser uma garota
com os mesmos direitos de qualquer um. E por ser completamente excluída, ela se
apega ao mundo virtual para compensar. Ela gosta de jogos online e é fã de
super-heróis. A metáfora perfeita a muitos leitores de quadrinhos, que buscam
nos heróis da ficção uma fuga da própria realidade.
Como se não bastasse ter todos esses problemas na cabeça, a
garota ainda se vê cheia de super poderes e os desafios pulam na sua frente sem dar trégua. Antes do arco Apaixonada, dividido em três capítulos,
o encadernado traz uma história em que Kamala conhece Loki. O ex-vilão nórdico
vai até a escola da heroína para tentar fazer dela e o melhor amigo dela, Bruno,
um casal. Ele vai com boas intenções, mas acaba arruinando tudo, em uma
história leve e divertida, mas que serve de introdução à trama principal. Que
foi publicada originalmente nos EUA em Ms. Marvel dos números 13 ao 15.
Logo no início, Kamala começa a treinar com os Inumanos para
tornar-se uma heroína mais qualificada. As primeiras dificuldades da garota
passam a ser conciliar estudo com a vida deMs. Marvel. Nesse meio tempo, ela
revê um jovem filho dos melhores amigos paquistaneses de seus pais, que volta a
morar na mesma cidade que ela, Jersey City. O garoto logo a conquista, por ser
bonito, carismático e fanático por jogos online.
Dessa vez, a heroína adolescente tem que enfrentar vilões,
esconder sua identidade dos pais, tirar notas boas na escola e lutar contra o
sentimento tão comum a qualquer garota da idade, que é a paixão. E em outra
excelente metáfora, ela enfrenta também um machismo muito forte e desconfiança
em si mesma, quando cai em uma armadilha e o vilão disse que ela foi ao lugar
por vontade própria. Com essas palavras, ela passa a duvidar de si mesma,
pensando que de fato a errada é ela, em uma clara referência ao estupro, quando
garotos escapam dos problemas ao dizer que a garota abusada aceitou sair com
ele, então foi consentido.
Por levar temas fortes, mas de forma leve e com uma capa
super-heroica, Wilson transforma Kamala em uma das melhores personagens do
universo Marvel. Ela é simpática e muito inocente. Mas é forte, não apenas
fisicamente, como qualquer mulher pode ser. Ela enfrenta o machismo enraizado
na sociedade com coragem e confiança. Ela é a porta-bandeiras de uma geração de
garotas que precisa ganhar o mundo, que vai bater em muros de preconceito, mas
que unidas são mais fortes do que imaginam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário